BECHOL LASHON Português – Nomes

DI MARTINOPor Eliezer Di Martino*

Nesta Parashá os judeus receberam o seu verdadeiro nome: Israel. Nada podia ser mais inesperado e misterioso. Jacob está perto de reencontrar o seu irmão Esáu depois de 22 anos, o mesmo Esaú que tinha jurado matá-lo. Sozinho e espantado no meio da noite, Jacob é assaltado por um ser desconhecido com o qual luta até o amanhecer.

Disse o homem: Deixa-me ir, porque já vem rompendo o dia. Jacob, porém, respondeu: Não te deixarei ir, se me não abençoares. Perguntou-lhe, pois: Qual é o teu nome? E ele respondeu: Jacob. Então disse: Não te chamarás mais Jacob, mas Israel; porque tens lutado com Deus e com os homens e tens prevalecido. (Génesis 32, 26/28)

Assim o Povo de Israel adquiriu o seu nome, talvez seja o mais estranho e mais inesquecível de todas as experiências religiosas do género humano.
Religião, fé, espiritualidade: estas palavras são geralmente associadas a vários conceitos: paz, serenidade, meditação, calma, êxtase. Muitas vezes a fé e concebida como uma realidade alternativa, um “paraíso num mundo sem coração”, um refúgio das lutas e conflitos do dia-a-dia. Podemos dizer muito sobre esta linda ideia….mas não é o judaísmo.

O judaísmo não é uma escapatória, mas uma ligação, um compromisso com o mundo. Não é “o ópio dos povos” como dizia Karl Marx, não nos anestesia das dores e aparentes injustiças da vida. Não no reconcilia com o sofrimento. Nos pede de fazer a nossa parte na mais desalentadora empresa que alguma vez D-us pediu ao homem: qual é esta empresa? Construir relações, comunidades e em fim uma sociedade, as quais serão um “casa” para a “Divina Presença”. E isto quer dizer, “lutar com D-us e os homens” e não desesperar.

“Lutar com D-us”: isto é aquilo que Moises e os outros profetas fizeram. Disseram, quase literalmente: D-us os Teus pedidos são grandes mas nós somos pequenos seres humanos. Nós tentamos, mas muitas vezes falhamos, caímos, cometemos erros. Temos momentos de fraqueza. (Tens razão, temos muito para nos sentirmos mal nas nossas vidas, mas somos teus filhos, Tu nos fizeste, Tu nos escolheste.) Então perdoa-nos!” E, sim, D-us perdoa. O judaísmo é uma religião de arrependimento e perdão, mas não é uma religião de culpa.

“Lutar com o homem”: desde os dias de Abraão ser um hebreu é ser um iconoclasta. Nos desafiamos os ídolos da época, quaisquer sejam os ídolos, qualquer seja a época. As vezes, quis dizer lutar contra a idolatria, superstição, paganismo, bruxaria, astrologia, crenças primitivas. Outras vezes quis dizer, contra secularismo, materialismo, consumismo. Ouve alturas na Europa, quando o povo era altamente iletrado, e os únicos que praticavam a educação universal eram os judeus. Outras alturas, o século XX por exemplo, quando os judeus foram alvos do fascismo e do comunismo, regimes que idolatravam o poder e desagravam a dignidade do individuo. Em todos estes casos o judaísmo era a religião de protesta, a outra voz na conversação do género humano.

Jacob não é Abraão nem Isaac.
Abraão simboliza o amor por D-us, ele amava tanto a D-us que estava disposto a deixar a sua terra, pátria e a casa de seu pai para segui-lo numa terra desconhecida. Ele amava tanto as pessoas, que tratou um grupo de estrangeiros como se tivessem sido anjos. Abraão morreu a uma boa idade, idoso e satisfeito, ou seja teve uma vida serena.

Isaac é fé como temor, reverência. Ele foi a criança que foi quase sacrificada. Fica o mais misterioso dos patriarcas. A sua vida foi simples, o seu carácter tranquilo, “Low Profile”. Muitas vezes vemos que ele faz exactamente o que o pai faz ou diz. Ele representa a fé como tradição, reverência do passado, continuidade. Issac foi uma ponte entre as gerações: simples, modesto, puro: isto foi Isaac.

Jacob é fé como luta. Frequentemente passa dum perigo para um outro, consegue escapar da vingança de Esaú para encontrar-se nas mãos de Labão o grão aldrabão. Escapa de Labão para encontrar outra vez seu irmão com 400 soldados! Sai deste episódio indemne para entrar numa outra terrível situação que foi o conflito entre José e seus irmãos, conflito este, que lhe causou muito desgasto.

Só entre os patriarcas, Jacob morre em exílio. Jacob luta da mesma forma que seus descendentes, os Filhos de Israel, continuam lutando com um mundo que não parece garantir-nos nunca paz.
Todavia Jacob nunca desiste e nunca é derrotado. Ele é o homem cujas maiores experiências espirituais acontecem de noite, só e longe da casa. Jacob luta como o misterioso ser, anjo do destino e do conflito interno e diz “não te deixarei ir se não me abençoares!” Assim é como ele resgata a esperança da catástrofe – assim como os judeus sempre fizeram: as mais escuras noites sempre foram prelúdios às mais criativas auroras.

É difícil ser judeu, é difícil enfrentar os nossos medos e lutar com eles, recusar de desistir até transformarmos estes medos em nova força e bênção. Mas o judaísmo não é fé como ilusão, ver o mundo através dum lençol rosa assim como gostaríamos que fosse. Judaísmo é fé como implacável honestidade, vendo o mal como mal e combatê-lo em nome da vida, do bem, de D-us. E esta é a nossa vocação, o nosso privilégio de ter o nome de Jacob, o nome de Israel.

*O rabino Eliezer di Martino é o rabino-chefe de Trieste