BECHOL LASHON Português – “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”

DI MARTINOPor Eliezer Di Martino*

Embora o judaísmo prometa a vida eterna se vivermos a esta vida como deve ser, não sempre a conexão entre as duas é óbvia. Porquê uma acção física neste mundo deveria influenciar o futuro da minha alma? Talvez uma resposta seja que não existe nenhuma conexão directa. Apesar disto, acho que podemos encontrar uma ligação entre este mundo e o vindouro na Missvá de Ahabat Israel, o amor pelos nossos irmãos judeus.

Na obra Sifra, encontramos um desacordo entre Ben Azai e Rabi Akiba sobre a importância do preceito “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Inclusive conforme á interpretação moderada de Rabi Akiba, este é considerado um preceito importantíssimo que tem que ser cuidado rigorosamente.

Lembram-se que em Lag laOmer celebramos o fim da praga que dizimou 24000 estudantes de Rabi Akiba exatamente porque não cumpriam este preceito. Então o rigor na interpretação dos dois sábios parece ser um paradoxo! Temos que perceber que o preceito de “Ahabat Israel”, não é nada intuitivo. Então o que é que faz dele algo tão importante? Talvez conseguimos entender no que é que falharam os estudantes de Rabi Akiba.

Do ponto de vista intuitivo a busca espiritual do homem é muito individualista. A obrigação de amar o próximo, nesta busca, é irrelevante e até pode ser contra produtiva! Sendo a maioria das pessoas concentradas em assuntos matérias, amar, ou seja, ocupar-se destes tipos de pessoas afastaria o verdadeiro “homem religioso” dos assuntos sublimes. Conforme esta visão o “homem religioso” verá o resto dos homens como um obstáculo pela sua comunhão com D-us. Efectivamente muitos dos mestre espirituais não judeus tentaram auto-elevar-se afastando-se das sociedades. Podemos pensar nos Gurus solitários nas montanhas, e esta é a lógica da tradição monástica típica de muitas confissões. Para perceber o ensinamento de rabi Akiba sobre a centralidade da Ahabat Israel, ajudar-nos-á concentrarmo-nos na natureza da transcendência. Transcendermo-nos quer dizer movermo-nos para além dos nossos limites. Todo o tempo que limitamos a nossa experiencia de vida a nós mesmos, estamos bloqueados nos limites espaciais e temporais da nossa existência física. Para aproximarmo-nos de D-us, temos que ver o universo, inclusive a nós mesmos da perspective Dele! Portanto, a transcendência é um passo indispensável para ocupar-se o D-us sem limites.

Transcender o próprio ser não é um assunto fácil. Vemos nas crianças que é a sua natureza concentrar-se só nas próprias necessidades. Como qualquer outro hábito, esta centralidade do próprio ser, é algo sobre o qual se tem que trabalhar muito para ultrapassar. A Torá nos dá um programa prático sobre como educarmo-nos a superar estes limites. E agora vamos a ver como é que este programa funciona.

Rabi Abraham Ibn Ezra nos dá uma grande ajuda para percebermos como podemos chegar à transcendência. No princípio de Perashat Kedoshim (Levitico 19, 3), ele explica que os preceitos apresentados (Honrar mãe, honrar pai, cumprir o Shabat) têm a ordem cronológica da vida duma criança. O primeiro interesse que temos pelo outro, é pelo próprio cuidador a nossa mãe, só depois a criança liga ao pai. O criador material da criança, os pais, inculca o sentido do Outro absoluto, último, D-us. E farão isso através a recordação do nosso ancestral Criador através a observância do Shabat. Portanto vemos uma progressão natural: antes pondo os nossos pais antes no nosso ser, podemos alcançar um molde mental que nos permite o D-us, entidade mais abstracta, antes de o nosso ser.

Depois a nossa saída para o mundo prático, vai além dos nossos pais. D-us criou o homem numa forma que ele precisa de juntar-se em matrimónio. Na halakha este é expressado na obrigação de procriar. Além da família, a halakha também nos “força” a estar numa sociedade: rezar num Minyan, etc. E ao contrário daquilo que vimos, esta situação não deveria ser um obstáculo à nossa subida espiritual, pelo contrário.

Nos temos a habilidade de apreender a empatia passo a passo. Começando pela pessoa que nos é mais próxima na nossa infância, a Torá reforça a nossa propensão natural de fazer o bem às pessoas que nos fazem bem, transformando esta propensão num preceito. Isto nos força a começar a pensar em como as nossas acções são vistas pelos outros. Isto tem o objectivo de eventualmente fazermos isso com todos os judeus. Amar ao próximo judeu quer dizer ver o mundo desde a perspectiva do outro, portanto Ahabat Israel é uma transcendência de tipo prático!

Portanto preparamos as nossas almas para o mundo vindouro através daquilo que fazemos neste mundo. Conforme esta visão, os homens podem transcender-se depois da morte, só se se transcenderam numa forma prática na vida terrena.

Rashi (comentário a Êxodo 19, 2) usou um Mekhilta que diz que o povo de Israel era como um só indivíduo com um só coração quando estiveram no Monte Sinai durante a revelação que celebramos em Shabuot. A Mekhilta diz que este foi o único momento onde o Povo de Israel foi tão nacionalmente unido. Ao invés de falar da situação do israelitas na altura da entrega da Torá, os sábios talvez estivessem a dizer o porquê a Torá foi dada naquele momento específico. Ou seja, até os israelitas alcançar um nível de completa unidade, não podiam receber a Torá. Podemos afirmar que a “transcendência pratica” da qual falamos e que se alcança através de Ahabat Israel, é a base sobre a qual todo o programa da Torá apoia. Outra vez vemos que a transcendência final e absoluta pode ser alcançada só quando formos “especializados” na tal transcendência humana prática.

Talvez esta ideia explica porque a praga que matou os estudantes de Rabi Akiba chegou naquele exacto momento. Outra vez D-us podia ter escolhido qualquer momento, pois o período da Contagem do Omer, tradicionalmente era um período alegre. Então esta nossa nova percepção do momento da Entrega da Torá nos faz perceber também o “timing” da praga: quando os lideres dos judeus estão concentrados em tudo fora de Ahabat Israel, a Torá é ameaçada. Naquela situação, reviver a Entrega da Torá torna-se numa farsa vazia.

Sabemos duma outra fonte dos sábios talmúdicos que Ahabat Israel foi um ponto fraco que também lidou à destruição do Segundo Templo, e por acaso, rabi Akiba ensinou pouco depois deste acontecimento. Parece que a época do ano, a contagem do Omer até Shabuot, quisesse dizer que Ahabat Israel não é apenas um dos tantos preceitos, mas uma condição indispensável pela recepção da Torá!

Não sabemos exactamente quando Rabi Akiba ensinou a amara o nosso irmão judeu, se foi depois da morte dos seus Talmidim, estudantes, esta seria a maior lição que a vida morte deles nos deixou. O preço pago foi muito alto…todavia, se a Torá é a razão pela qual D-us criou o Universo (Conforme Rashi em Génesis 1, 1), então nada no mundo é mais importante da implementação da própria Torá. E quer também dizer que nada está em frente de Ahabat Israel. Se as vezes perguntamos porquê os judeus sofreram tanto durante o exílio, isto que estudamos nos pode ajudar muito. O destino dos estudantes de Rabi Akiba deve recordar-nos da extrema importância que tem o amar o próximo antes de podermos realmente aproximar a D-us.

*O rabino Eliezer di Martino é o rabino-chefe de Trieste