BECHOL LASHON Português – “Um povo que habita só”
Um dos mais profundos e influentes comentários sobre o destino Judaico foi feito pelo profeta pagão Bilám na Perachá desta semana.
Pois do cume das penhas o vejo,
e dos outeiros o contemplo;
eis que é um povo que habita só,
e entre as nações não será contado.
(Números 23-9)
Para muitos estas palavras parecem resumir a situação judaica: um povo que está fora da historia e as leis que governam o destino das nações.
Para os judeus foi uma fonte de orgulho.
Para os Não Judeus foi muitas vezes uma fonte de ressentimento e ódio.
Todos concordam que os judeus são diferentes, porém a pergunta é: Porquê e Como?
A resposta bíblica é incrivelmente profunda:
Não é porque só os judeus conheciam D-us, esta não é rigorosamente o motivo. Bilám, o profeta que exprimiu estas palavras, não era Israelita!
Nem Avimelékh ou Laván eram, aos quais D-us se comunica em Génesis.
Um contemporâneo de Avrahám, Malquitsedék rei de Shalém, é descrito como o sacerdote do Alto D-us.
Jetró, o sogro de Moché, era um Grande Sacerdote Midianita, e o nome da Parachá que contem o mais importante momento da história Judaica, a reveleação do Monte Sinai, leva o nome de Itrô, Jetro.
Até o Farão que governava na altura de Ioséf, disse: “Podemos encontrar um outro homem como este (Yoséf), um no qual reside o espírito de D-us?”
D-us não se comunica apenas com os judeus, o povo do pacto, nem Ele responde apenas as orações dos judeus.
Na dedicação dos Templo, Salomão fez o seguinte pedido:
“41 Também quando o estrangeiro, que não é do teu povo Israel, vier de terras remotas por amor do teu nome.
42 (porque ouvirão do teu grande nome, e da tua forte mão, e do teu braço estendido), quando vier orar voltado para esta casa.
43 Ouve do céu, lugar da tua habitação, e faze conforme tudo o que o estrangeiro a ti clamar, a fim de que todos os povos da terra conheçam o teu nome, e te temam como o teu povo Israel, e saibam que pelo teu nome é chamada esta casa que edifiquei.
44 Quando o teu povo sair à guerra contra os seus inimigos, seja qual for o caminho por que os enviares, e orarem ao Senhor, voltados para a cidade que escolheste, e para a casa que edifiquei ao teu nome.” (Reis I, 8-41,44)
Nossos sábios continuaram esta tradição dizendo no Talmud: “Os justos das nações do mundo, têm lugar no mundo vindouro”.O museu do holocausto em Jerusalém, Iad Vachêm, tem mais de 20000 nomes de gentios justos que salvaram judeus durante a persecução nazi.
O facto que D-us fez uma aliança com o Povo de Israel, não quer dizer que os Israelitas são mais justos que os outros povos, e o último Profeta Malarrí nos confirma com as suas agudas palavras este conceito:
“11 Mas desde o nascente do sol até o poente é grande entre as nações o meu nome; e em todo lugar se oferece ao meu nome incenso, e uma oblação pura; porque o meu nome é grande entre as nações, diz o Senhor dos exércitos 12 Mas vós o profanais, quando dizeis: A mesa do Senhor é profana, e o seu produto, isto é, a sua comida, é desprezível.” Malakhí 1-11,12
Nem nenhuma das principais correntes do pensamento judaico viu ao facto de ser o Povo de Israel elegido, como um privilégio, mas como, sobre tudo, uma responsabilidade. E as palavras da profecia do profeta Amôss são a prova:
“De todas as famílias da terra só a vós vos tenho conhecido; portanto eu vos punirei por todas as vossas iniquidades.” (Amôss 3-2)
Então onde está a singularidade judaica? A resposta está escondida nas palavras da bênção de Bilám: “eis que é um povo que habita só”.
Porquê os descendentes de Avrahám foram escolhidos como Povo! O pacto do Monte Sinai foi estabelecido como Povo! É como Povo, que D-us os salvou do Egipto, Lhes deu leis, e Entrou na sua história! D-us lhes disse no Monte Sinai: “Serão para mim um reino de Sacerdotes e uma nação santa!” O judaísmo é a única religião que põe D-us no centro da sua definição de Nação, ou seja, os judeus são o único povo a qual identidade é definida em termos religiosos!
Só o judaísmo acredita num D-us universal, acessível a todos, mas todavia, que se manifesta especialmente no estilo de vida, destino e objectivo duma só nação:
“10 Vós sois as minhas testemunhas, do Senhor, e o meu servo, a quem escolhi; para que o saibais, e me creiais e entendais que eu sou o mesmo; antes de mim Deus nenhum se formou, e depois de mim nenhum haverá. 11 Eu, eu sou o Senhor, e fora de mim não há salvador. 12 Eu anunciei, e eu salvei, e eu o mostrei; e deus estranho não houve entre vós; portanto vós sois as minhas testemunhas, diz o Senhor.” (Ieshaiáu 43-10,12)
Israel, na sua historia e leis, seria a testemunha de D-us.
Porquê, se D-us é o D-us universal, acessível a todos os seres humanos, escolheu só uma nação para levar a testemunha vivente da Sua presença na dimensão humana? Esta é uma pergunta profunda que não tem uma resposta sucinta. Mas, pelo menos, parte da resposta acho seja a seguinte: D-us, na Sua essência é o Outro, o Diferente, falando desde a dimensão espaço-tempo, o Outsider! È por isso que Escolheu um povo que será o “outro” da humanidade. Isto é o que os judeus sempre foram, diferentes, distintos, “Outsiders”, um povo que nadou contra corrente e sempre enfrentou os ídolos das épocas. Judaísmo é a voz da oposição no diálogo da espécie humana.
Durante 2000 anos, o povo judaico, foi o único que, como grupo, recusou-se rigorosamente de assimilar-se à cultura dominante ou converter-se à religião dominante. O resultado foi sofrimento, mas a leixão que ensinaram, não foi só para eles: eles mostraram ao mundo que uma nação não precisa ser potente e grande para ganhar o favor de D-us. Mostraram que uma nação pode perder tudo, terra, poder, direitos, uma casa, e todavia não perder a esperança. Mostraram que D-us não está necessariamente do lado dos grandes Impérios e fortes Batalhões. Mostraram que uma nação pode ser odiada, perseguida, humilhada, e ainda ser amada por D-us. Mostraram que para todas as regras da historia existe uma excepção, e que o que a maioria acredita num determinado momento não é necessariamente verdade. Judaísmo é o ponto de interrogação de D-us, aos conceitos convencionais das épocas.
Não é nem fácil nem confortável ser, como diz Bilám, “um povo que habita só”, mas é sem duvida um destino que desafia e inspira!
*O rabino Eliezer di Martino é o rabino-chefe de Trieste.