BECHOL LASHON Português – A bênção

DI MARTINOpor Eliezer Di Martino*

A morte de Yaakob não é apenas a história central da porção desta semana da Torá, mas também serve como uma conclusão adequada para Sefer Bereshit. O primeiro capítulo da história judaica foi escrito pelos patriarcas e pelas matriarcas e a transição para o próximo capítulo da nossa história gloriosa – contida nas narrativas de Sefer Shemot – começa quando Yaakob sai do palco bíblico.

Yaakob, claramente consciente da importância crucial do momento, reúne todos os seus filhos em torno ao seu leito de morte, para dar-lhes uma bênção final e objectivos para o futuro (cap. 49). Curiosamente, antes desta reunião dramática Yaakob abençoa os dois filhos de Yossef, Efraim e Menashe, e eleva-os ao status de igualdade com os seus tios. Além disso, Yaakob diz a Yossef que as bênçãos de seus filhos vão servir de modelo para as futuras gerações: “por vós Israel abençoará, dizendo: ‘Que Deus te faça como Efraim e Menashe’” (48:20).

Na verdade, assim como Yaakob profetizou, este versículo tornou-se parte integrante de um costume cada vez mais popular, praticado em muitos lares judaicos. Mencionado pela primeira vez em theMa’avar Yabok, um texto do século 17, há quem tenha a prática de abençoar seus filhos na refeição da sexta à noite. Enquanto a bênção real – composta pelos versos do “Birkat Cohanim” (Bamidbar 6:24-26) – é a mesma para meninos e meninas, há uma oração introdutória que é específica para cada sexo.

A bênção para as meninas é introduzida por uma breve oração, para que as destinatárias da bênção andem nas sendas das matriarcas, Sarah, Ribka, Rahel e Leah. A bênção para os meninos, no entanto, menciona Efraim e Menashe como modelos ideais para meninos judeus.

Embora esta prática confirme, assim, a previsão de Yaakob, ainda levanta a questão: por que os filhos de Yossef representam o padrão para todas as bênçãos futuras? Não faria mais sentido, como paralelo à bênção de nossas filhas, usar os patriarcas como nosso ponto de referência?

Pode ser que, por meio de bênção de Yaakob, Efraim e Menashe tenham alcançado uma posição de importância eterna. Eles já não eram “apenas” os filhos de Yossef, mas membros iguais das “tribos de Israel”. Nós, portanto, invocamo-los como inspiração para os pais e, assim, comunicamos que esta grande realização espiritual é igualmente possível para todas as crianças. Devemos lembrar-nos – e dar aos nossos filhos a mesma confiança – de que nenhum nível de sucesso está para além do seu alcance. Assim como sucedeu com Efraim e Menashe, com bastante esforço e, claro, a bênção de Deus, tudo é possível.

Ou poderia ser que os filhos de Yossef tivessem nascido e sido criados inteiramente em um ambiente estrangeiro. Crescer no Egito antigo, cercado completamente pela imoralidade pagã, e conseguir atingir, ainda assim, um nível de refinamento espiritual, é um triunfo de proporção significativa. Yaakob percebeu que Efraim e Menashe eram os modelos ideais para as futuras gerações de judeus, a maioria dos quais, de modo semelhante, viverão em ambientes estrangeiros. Isso também é uma lição importante que devemos interiorizar. Criar os nossos filhos numa sociedade que muitas vezes os expõe a valores que não são consistentes com nossos valores é, sem dúvida, um desafio – mas Efraim e Menashe ensinaram-nos que isso pode ser feito.

Ou podemos notar que, quando chegou a hora da bênção, Yaakob mostrou explicitamente preferência por Efraim em relação ao irmão mais velho, Menashe (48:13-19). Só podemos imaginar a dor sentida por Menashe, e poderíamos imaginar que essa dor tivesse semeado sementes de ciúme entre os dois irmãos, danificando o seu relacionamento futuro. E, no entanto, não há nenhuma indicação, na Torá ou na Tradição Oral, de que isso alguma vez tenha ocorrido. Tudo indica que Efraim e Menashe terão permanecido irmãos próximos e amorosos, apesar do favoritismo mostrado a Efraim. E é essa, talvez, a dimensão oculta da bênção que damos aos nossos filhos, como se não houvesse maior fortuna para uma família do que o amor e a lealdade entre irmãos.

*O rabino Eliezer di Martino é o rabino-chefe de Trieste.