BECHOL LASHON Português – Nomes

DI MARTINOpor Eliezer Di Martino*

Nesta Perashá os judeus receberam o seu verdadeiro nome: Israel. Nada podia ser mais inesperado e misterioso. Jacob está perto de reencontrar o seu irmão Esaú depois de 22 anos, o mesmo Esaú que tinha jurado matá-lo. Sozinho e espantado no meio da noite, Jacob é assaltado por um ser desconhecido com o qual luta até o amanhecer.

26 Disse o homem: Deixa-me ir, porque já vem rompendo o dia. Jacob, porém, respondeu: Não te deixarei ir, se me não abençoares.
27 Perguntou-lhe, pois: Qual é o teu nome? E ele respondeu: Jacob.
28 Então disse: Não te chamarás mais Jacob, mas Israel; porque tens lutado com Deus e com os homens e tens prevalecido. (Génesis 32)

Assim o Povo de Israel adquiriu o seu nome: talvez esta seja a mais estranha e a mais inesquecível de todas as experiências religiosas do género humano.

O judaísmo não é uma escapatória, mas uma ligação, um compromisso com o mundo. Não nos reconcilia com o sofrimento. Pede-nos que façamos a nossa parte na mais desalentadora empresa que alguma vez D-us pediu ao homem. Qual é esta empresa? – Construir uma sociedade que será um “casa” para a “Divina Presença”. E isto quer dizer, “lutar com D-us e os homens” e não desesperar.

O judaísmo não é uma escapatória, mas uma ligação, um compromisso com o mundo. Não nos reconcilia com o sofrimento. Nos pede de fazer a nossa parte na mais desalentadora empresa que alguma vez D-us pediu ao homem: qual é esta empresa? Construir uma sociedade que será um “casa” para a “Divina Presença”. E isto quer dizer, “lutar com D-us e os homens” e não desesperar.

“Lutar com D-us”: isto é aquilo que Moisés e os outros profetas fizeram. Disseram, quase literalmente: D-us, os Teus pedidos são grandes mas nós somos pequenos seres humanos. Nós tentamos, mas muitas vezes falhamos, caímos, cometemos erros. Temos momentos de fraqueza. (Tens razão, temos muitos motivos para nos sentirmos mal nas nossas vidas, mas somos teus filhos, Tu nos fizeste, Tu nos escolheste.) Então perdoa-nos!” E, sim, D-us perdoa. O judaísmo é uma religião de arrependimento e perdão, mas não é uma religião de culpa.

“Lutar com o homem”: desde os dias de Abraão, ser um hebreu é ser um iconoclasta. Nós desafiamos os ídolos da época, quaisquer que sejam os ídolos, qualquer que seja a época. Às vezes, quis dizer lutar contra a idolatria, a superstição, o paganismo, a bruxaria, a astrologia, as crenças primitivas. Outras vezes, quis dizer lutar contra o secularismo, o materialismo, o consumismo. Houve alturas na Europa, quando o povo era altamente iletrado, em que os únicos que praticavam a educação universal eram os judeus. Noutras alturas – no século XX, por exemplo –, os judeus foram alvos do fascismo e do comunismo, regimes que idolatravam o poder e desprezavam a dignidade do indivíduo. Em todos estes casos, o judaísmo era uma religião de protesto.

Jacob não é Abraão nem Isaac.

Abraão simboliza o amor por D-us: ele amava tanto a D-us que estava disposto a deixar a sua terra, a sua pátria e a casa de seu pai, para segui-lo numa terra desconhecida. Ele amava tanto as pessoas, que tratou um grupo de estrangeiros como se fossem anjos. Abraão morreu idoso e satisfeito, ou seja, teve uma vida serena.

Isaac é fé como temor, reverência. Ele foi a criança que foi quase sacrificada. Continua a ser o mais misterioso dos patriarcas. A sua vida foi simples, o seu carácter tranquilo, “Low Profile”, como se costuma dizer. Muitas vezes vemos que ele faz exactamente o que o pai faz ou diz. Ele representa a fé como tradição, reverência pelo passado, continuidade. Isaac foi uma ponte entre as gerações: simples, modesto, puro: isto foi Isaac.

Jacob é fé como luta. Frequentemente passa dum perigo para um outro, consegue escapar da vingança de Esaú para encontrar-se nas mãos de Labão, o grande aldrabão. Escapa de Labão para encontrar outra vez o seu irmão, que lhe vem ao encontro com 400 soldados! Sai deste episódio indemne para entrar numa outra terrível situação, que foi o conflito entre José e seus irmãos; conflito, este, que lhe causou muito desgaste.

Jacob é o único, entre os patriarcas, que morre no exílio. Jacob luta da mesma forma que os seus descendentes, os Filhos de Israel, continuam lutando com um mundo que não parece garantir-nos nunca a paz.

Todavia, Jacob nunca desiste e nunca é derrotado. Ele é o homem cujas maiores experiências espirituais acontecem de noite, só e longe de casa. Jacob luta com um misterioso ser, o anjo do destino e do conflito interno, e diz-lhe: “Não te deixarei ir se não me abençoares!” É assim que ele resgata a esperança da catástrofe – assim como os judeus sempre fizeram: as mais escuras noites sempre foram prelúdios para as mais criativas auroras.

É difícil ser judeu, é difícil enfrentar os nossos medos e lutar com eles, recusar desistir até transformarmos estes medos em nova força e bênção. Mas o judaísmo não é fé como ilusão, ver o mundo através dum lençol cor-de-rosa, assim como gostaríamos que fosse. O judaísmo é fé como implacável honestidade, vendo o mal como mal e combatendo-o em nome da vida, do bem, de D-us. E esta é a nossa vocação, o nosso privilégio de ter o nome de Jacob, o nome de Israel.

*O rabino Eliezer di Martino é o rabino-chefe de Trieste.