Conferência em Roma sobre os silêncios do papa Pio XIl
Em seu último livro “Um papa em guerra. A história secreta de Mussolini, Hitler e Pio XII”, publicado na Itália pela editora Garzanti, o prêmio Pulitzer David Kertzer fala de “provas irrefutáveis do extermínio” conhecidas por Eugenio Pacelli. No entanto, como é sabido, o papa Pio XII não pronunciou nenhuma condenação pública contra a Shoah. Certamente, uma avaliação dos seus atos não poderá ignorar, a partir de agora, a descoberta pelo arquivista do Vaticano Giovanni Coco de uma carta datada de 14 de dezembro de 1942, na qual o jesuíta alemão Lothar König informa o seu compatriota Robert Leiber, secretário do papa, sobre os crematórios em funcionamento. Coco relatou a notícia a “Lettura”, uma inserção do jornal italiano Corriere della Sera.
Uma oportunidade para falar novamente sobre isso virá da conferência “New Documents from the Pontificate of Pope Pius XII and their Meaning for Jewish-Christian Relations: A Dialogue between Historians and Theologians”, agendada para a Pontifícia Universidade Gregoriana em Roma de 9 a 11 de outubro. A iniciativa, organizada pela Fundação Cdec de Milão, o Centro Cardinal Bea de Estudos Judaicos – Faculdade de História e Patrimônio Cultural da Igreja Gregoriana, o U.S. Holocaust Memorial Museum, Yad Vashem e o Center for Catholic-Jewish Studies da Saint Leo University, conta com o apoio da União das Comunidades Judaicas Italianas, da Embaixada de Israel na Santa Sé e do American Jewish Committee, entre outros.
Entre os temas anunciados no programa, contam-se as motivações e decisões do papa “diante do fascismo, do nazismo e do comunismo”; a visão de mundo do Vaticano como um todo “considerando o Holocausto” e em particular os pontos de vista “que moldaram a resposta dos funcionários”; mas também uma análise dos documentos recentemente consultados sobre “as razões pelas quais o resgate ocorreu ou não”; sem esquecer o argumento igualmente espinhoso da ajuda oferecida “aos criminosos de guerra nazistas e do Eixo”.
Questões entrelaçadas relançadas por evidências que surgiram com a abertura dos arquivos do Vaticano em março de 2020. “Estudiosos de vários países e especializados em diferentes tópicos compartilharão os resultados de suas pesquisas e suas reflexões, oferecendo diferentes perspectivas que podem contribuir para uma discussão aberta e para entender melhor algumas das questões centrais examinadas”, explicou Iael Nidam-Orvieto, diretora do Instituto Internacional de Pesquisa sobre o Holocausto do Yad Vashem, segundo a qual este momento de encontro e discussão “não apenas aumentará o nosso conhecimento, mas construirá novas instâncias de diálogo e incentivará pesquisas sérias e meticulosas”.
Na mesma linha de pensamento Liliana Picciotto, estudiosa do Cdec: “A conferência promoverá uma reflexão, nos mais altos níveis históricos e teológicos judaicos e cristãos, sobre a atitude da Santa Sé em relação à Segunda Guerra Mundial”. Segundo Picciotto, “será sem dúvida um dos momentos decisivos na história das relações judaico-cristãs do nosso tempo”. Estas relações, sublinha Massimo Gargiulo, pró-diretor do Centro Cardinal Bea, “baseiam-se na origem do cristianismo a partir do judaísmo e numa herança de escrituras amplamente comum”. Mas também “numa história complexa em que o antijudaísmo cristão desempenhou um papel considerável na afirmação do antissemitismo”. Numa entrevista a Pagine Ebraiche, Kertzer descreveu a abertura dos arquivos como “uma oportunidade a não perder para a Igreja: a de questionar as premissas da Shoah, sobre o fruto envenenado do antissemitismo em que foi baseada”. As responsabilidades históricas, insistiu o estudioso americano, “são enormes e diante dos olhos de todos”. E, portanto, “um percurso de processamento só pode ser positivo, também para corrigir algumas distorções recentes”.
Traduzido por Annadora Zuanel e revisado por Klara Mattiussi, alunas da Universidade para Tradutores e Intérpretes em Trieste, estagiárias no escritório do jornal da União das Comunidades Judaicas da Itália – Pagine Ebraiche.